STF reforça a atualidade do art. 386 da CLT e garante o repouso aos domingos para as mulheres
A decisão, sem dúvidas, é uma grande vitória para todas as trabalhadoras do Brasil que lutam para não perderem os direitos legalmente garantidos
No dia 1º de setembro de 2023, o Plenário Virtual da Primeira Turma do STF finalizou o julgamento do ARE-AgR 140.3904. O recurso visava reformar a decisão da Ministra Cármen Lúcia, que negou provimento ao Recurso Extraordinário da Riachuelo, por entender que a análise da interpretação constitucional do art. 386 da CLT é semelhante à do art. 384¹ da CLT, atraindo, portanto, a aplicação do Tema 528 em repercussão geral.
O julgamento estava paralisado em razão de empate criado por dois votos contrários ao recurso da empresa (Ministra Cármen Lúcia e Ministro Alexandre de Moraes) e dois votos a favor (ministros Barroso e Luiz Fux). O desempate ficou a cargo do Ministro Cristiano Zanin, recém-chegado na Corte, que seguiu integralmente o voto da Ministra e confirmou a constitucionalidade da interpretação dada pelo SDI-I do TST ao art. 386 da CLT. Destaca-se o trecho correspondente:
"Portanto, pelas mesmas razões firmadas no Tema 528, é constitucional a interpretação conferida pelo TST ao art. 386 da CLT e sua aplicabilidade às mulheres trabalhadoras. Posto isso, acompanho a Ministra Relatora Cármen Lúcia e nego provimento ao agravo regimental."
Resumidamente, o Tema 528 diz que se deve levar "em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho"; que "há um componente orgânico a justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher"; que é "comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho - o que é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma"; e que "esses parâmetros constitucionais são legitimadores de um tratamento diferenciado desde que este sirva, como na hipótese, para ampliar os direitos fundamentais sociais e que se observe a proporcionalidade na compensação das diferenças".
O Ministro Cristiano Zanin também excluiu em seu voto qualquer hipótese de prevalência do art. 6º da lei 10.101/00, que trata da jornada de trabalho no comércio, sobre o art. 396 da CLT. Vejamos:
"Noto que, topograficamente, o art. 386 encontra-se no Capítulo III ("Da proteção do trabalho da mulher"), no que é plenamente possível a interpretação da legislação infraconstitucional emanada pelo TST, em razão da aplicação do princípio da especialidade."
Após a decisão do STF, fica mais que confirmada a legalidade do art. 386 da CLT que estabelece o repouso dominical, segundo a escala 1x1, devendo ser respeitado por todas as empresas que empregam a mão de obra feminina aos domingos.
Para além dos aspectos jurídicos, o caso é socialmente sensível, haja vista que o trabalho aos domingos é mais custoso para as mulheres do que para os homens, tanto do ponto vista físico, quanto econômico e social.
Segundo recente pesquisa do DIEESE, a "maioria dos domicílios no Brasil é chefiada por mulheres. Dos 75 milhões de lares, 50,8% tinham liderança feminina, o correspondente a 38,1 milhões de famílias.²Esses dados, por si só, indicam a maior responsabilidade e sobrecarga para as mulheres no contexto social e no mercado de trabalho. O desempenho de atividades de cuidado, acumuladas com o trabalho formal, gera mais sobrecarga física e mental para as trabalhadoras, o que faz que crer que o repouso dominical segundo a escala mais benéfica ainda é extremamente necessário.
Para além do aspecto físico, convém destacar que as mulheres trabalhadoras do Brasil, de todas as classes econômicas, dependem de outras mulheres que assumam o seu trabalho de cuidado, para que possam trabalhar no setor formal. As mulheres social e financeiramente mais bem posicionadas conseguem custear essa transferência de trabalho de cuidado contratando uma empregada doméstica ou uma creche. Já as mulheres assalariadas de baixa renda não possuem condições financeiras para arcar com o custo de transferência do trabalho de cuidado e não encontram apoio suficiente do Estado, por exemplo, na oferta de creches públicas que em tese poderia amenizar o acúmulo de trabalho. No caso do trabalho aos domingos, as dificuldades se tornam bem mais evidentes, visto que não há creches públicas abertas aos domingos.
A decisão do Supremo Tribunal Federal reforça a noção de que as normas trabalhistas devem ser interpretadas à luz da realidade socioeconômica das trabalhadoras brasileiras, pois não há igualdade entre homens e mulheres no exercício de uma mesma atividade. Nos últimos anos, infelizmente, o que se viu foi o aprofundamento das desigualdades existentes entre homens e mulheres.
Há que se registrar que esse cenário perdura desde 1943, data da criação da CLT, quando o legislador celetista lançou um olhar diferenciado sobre o trabalho da mulher, considerando especiais os aspectos físicos e sociais da trabalhadora, o que, por si só, torna o art. 386 da CLT atualíssimo. A decisão, sem dúvidas, é uma grande vitória para todas as trabalhadoras do Brasil que lutam para não perderem os direitos legalmente garantidos.
Fonte: migalhas.com.br, 08 de setembro de 2023